Estes eventos ocorreram há muito tempo. A compreensão dos mortais não é suficiente para determinar o quanto.
Nada existia no Plano Físico, e o Criador vivia só no Plano Divino. Por eras assim fora, mas Ele então decidiu não mais estar só, e do nada criou os espíritos dos arcanjos e toda a ordem angelical. E os fez belíssimos, esplendorosos, inteligentes e poderosos.
No início, a harmonia era plena. Os anjos alegravam ao Criador e enchiam-no de orgulho. Havia, porém, um dentre eles que muito evoluirá desde sua gênese, e se destacou dos demais em beleza, sabedoria e poder.
Assim sendo, ele era o mais próximo do Criador, o que deveria servi-Lo melhor que os demais, dado seu maior entendimento de como funcionavam as leis do Universo feitas por Ele.
Um dia, aconteceu o inimaginável, pois este arcanjo, um ser de pura luz, anestesiado e iludido tamanho seu poder e sabedoria, ousaram acreditar que era igual ao Criador. Decidiu que seu conhecimento e poder não deveriam ser usados para servir ao Pai Supremo, pois servi-Lo significava trabalhar em favor até da mais simples das criaturas. Ele ambicionava autoridade sobre todos os anjos e queria, ao lado Dele, erguer um trono para juntos governarem o Plano Divino e mais, no auge de sua arrogância, conhecendo as intenções do Único, requisitaria para si metade da glória pela Criação, que ainda não fora iniciada.
Todavia, o Criador manifestou que sua obra seria compartilhada com todas as criaturas, mas o plano Dele para a Criação seria algo que somente Ele, não por vaidade ou arrogância, poderia conceber. Assim sendo, este espírito renegou a Autoridade Divina e rebelou-se contra o Pai Supremo, e, agora, não desejava mais em comunhão governar, mas sim fazê-lo só, substituindo ao Criador. Por ser poderosíssimo e possuidor de uma extraordinária eloqüência, seduziu e convenceu outros espíritos a unirem-se a ele em sua causa. Formou assim, uma horda gigantesca, um poderoso exército com o qual julgava capaz de realizar tal intento.
Este arcanjo se apresentou diante do Criador, e fez suas exigências, ordenando que Ele abdicasse em seu favor, mas o Único nada respondeu. Contudo, os demais arcanjos se indignaram com essa inconcebível afronta, e se colocaram entre o Rebelado e o trono divino, exigindo que ele retirasse tais palavras e pedisse perdão imediatamente. O mais poderoso dos arcanjos, apenas sorriu. Nesse instante, o Criador retirou-se da presença de todos.
Houve então a Guerra dos Anjos. De um lado, as hordas do Rebelado, e do outro, os anjos que permaneceram fiéis ao Criador, os exércitos divinos. Como os espíritos não medem o tempo como os mortais não se sabe ao certo quanto tempo esta guerra durou.
O Criador, mesmo sabendo que tudo isto já ocorreria, assistia a tudo entristecido, inerte e distante. Os exércitos se digladiavam, e o empate talvez persistisse para sempre, mas o Criador mostrou sua onipotência.
Por sua vontade, ambos os exércitos cessaram de lutar no mesmo instante. A ordem angelical então subjugou os rebeldes. Em sua infinita sabedoria, Ele mostrou aos anjos que sua morada é para paz e amor infindos e todos possuem o livre arbítrio, mas, no Plano Divino, Ele não mais irá tolerar a guerra. E assim permanecerá por todo o sempre.
Após o fim da guerra, o Rebelde e seus seguidores foram os primeiros a serem levados ao Tribunal da Eternidade, onde todas as almas devem passar, quando chegam ao seu julgamento definitivo.
Este tribunal os condenou, e sentenciou o exílio em um plano até então desconhecido. Ali, deveriam permanecer por toda a eternidade. Seria feita então, pelo poderoso Arcanjo Rafael, o pronunciamento da sentença. Mas antes algumas palavras ainda deviam ser ditas.
— Tu não percebes que não é necessário invejar o Criador, uma vez que ele compartilha tudo conosco e nos dá soberania sobre nossa vontade — disse Rafael.
— Por que eu deveria me contentar em ser súdito, se possuo a força para ser rei — respondeu arrogantemente o Rebelado.
— Realmente poder não lhe falta, mas a verdadeira força do Criador estão em seu amor, sua bondade e sua sabedoria infinitos. Isto tu jamais possuirá. Entretanto, embora esteja já condenado por este Tribunal, o Criador ainda lhe estende Sua misericórdia. Se pedires perdão agora, ele prontamente aceitará e poderás continuar ao lado dos teus irmãos — disse Rafael, mostrando que ainda havia uma última oportunidade ao Rebelado.
— Perdão? Um ser de minha magnitude jamais se sujeitaria a esta vergonha eterna. O poder que flui pela minha forma sempre me compelirá a me tornar o primeiro entre todos — falou assim, desperdiçando a chance recebida e selando seu destino.
— Entederás então, de acordo com tua concepção, o que é o verdadeiro poder. Que tua sentença se cumpra. Que sejas expulso agora, e saiba que a este plano tu jamais retornará, e para onde vais compreenderá o quão doloroso para ti isto será.
Assim que o arcanjo Rafael disse estas palavras, o poder o Criador se manifestou, uma passagem se abriu e surgiu um imenso abismo, que de tão vasto, parecia infinito, até mesmo para os olhos dos anjos. Então todos os rebeldes foram lançados em suas profundezas. Desse dia em diante, por repudiarem ao Criador e decaírem de seus elevados propósitos, os outrora anjos foram denominados Caídos.
Por quanto tempo caíram, com exceção do Rebelado, nem mesmo os próprios condenados saberiam precisar, e, enquanto caíam, suas asas eram incendiadas e sua dor crescia a cada instante, na medida em que se afastavam do Plano Divino.
Finalmente, o anjo traidor foi o primeiro a chegar no que foi designado o Plano de Exílio, batendo abruptamente o chão, em seguida, os seus seguidores, agora chamados de demônios, iam chegando da mesma humilhante maneira.
Quando levantou sua face do chão pútrido e escuro, o primeiro dos Caídos pode contemplar um lugar tão vasto quanto lúgubre. Os tons deste horrível cenário variavam entre o negro, o cinza e o vermelho, nuvens de enxofre tomavam contam daquilo que pouco lembrava um céu e um ar pestilento aumentava ainda mais a sensação de morte e desespero. Ele caminhou só e a esmo, porque os outros não tinham sua força e demorariam muito a se recompor, e, enquanto caminhava avistou o monte mais alto do Exílio. Ele bateu suas asas queimadas e distorcidas e levantou vôo até chegar ao cume deste monte sem nome. Então, ele olhou para suas costas e viu o estado em que suas asas se encontravam, para ele agora uma débil e distante lembrança do tempo em que era o mais formoso dos espíritos.
Contemplando aquele cenário angustiante, ele se lembrou do que lhe fora dito antes da sentença e percebeu o que era a dor crescente que sentia estando ali. Descobriu que seu sofrimento seria eterno, pois para um espírito, a maior e mais terrível de todas as punições é ficar longe da luz do Criador. Ele então gritou com todas as forças, e tão alto e horrível foi este grito, que foi ouvido nos mais distantes confins do Exílio, enchendo do mais profundo pavor todos que agora habitavam com ele naquela infeliz morada.
A Criação
Depois da guerra, quando a paz e harmonia foram completamente restabelecidas, o Supremo iniciou o que se denomina A Criação.
Então, de acordo com o desejo Dele, houve uma grande explosão, e onde antes nem mesmo o espaço vazio existia o nada absoluto, o Plano Físico passou a existir. O que compreendemos como o tempo, o espaço e toda matéria do universo está nele.
A magnitude de tal evento não passou despercebida aos olhos do Rebelado. E do Exílio ele pode a tudo observar: A Criação transcorrendo lentamente diante de seus olhos por bilhões de anos, formando os planetas, as estrelas, as galáxias, enfim, tudo, e ficou bestificado. E, também, testemunhou surgimento de outros planos espirituais, além daquele no qual estava exilado.
Quanto mais ele via, mais sua inveja e seu ódio cresciam, porque embora fosse o ser mais poderoso entre as criaturas, ele era infinitamente pequeno diante do Criador. E a Criação era por demais grandiosa, extensa e infinita, sendo que ainda hoje o poder do Criador continua agindo, transformando e modificando todo cosmo, em uma sinfonia eterna de beleza, harmonia e perfeição, onde todas as coisas, por mais insignificantes que possam parecer aos olhos mortais, tem o seu propósito e significado. Ninguém, além Dele, poderia conceber algo de tamanho esplendor, e a frustração e ódio do Rebelado aumentaram ainda mais quando finalmente se deu conta de que por mais que tentasse nada podia criar e, embora empregasse todo seu conhecimento, não conseguia compreender as dimensões de toda a obra do Pai Supremo.
O Surgimento da Vida e dos Seres Dominantes
Bilhões de anos se passaram desde que a Criação fora iniciada. E o Criador se satisfez com sua obra. Vira que tudo era belo, todavia ainda não estava completa.
Então, assim como existiam os espíritos, Ele decidiu que novas criaturas habitariam o Plano Físico, mas seriam seres feitos de matéria, assim como todo o cosmo. Desta forma, Ele voltou seu olhos para nosso mundo, e, abençoando-o, soprou vida nele.
Assim começou nossa história. Em seu princípio, a vida era ínfima, mas foi evoluindo lenta e constantemente das mais variadas formas, por milhões de anos, e aos poucos o mundo foi se enchendo de uma imensa diversidade de plantas, animais e peixes.
Nosso mundo, que em seu início era só rocha e fogo, se transformava em um grande paraíso adquirindo mais beleza a cada dia que passava. Contudo houve um momento, enquanto a vida evoluía que três espécies foram tocadas pela mão do Criador. Neste momento, o Criador lhes delegou o mundo, concedendo dons que os tornaram seres especiais: inteligência, consciência, raciocínio e, principalmente, livre-arbítrio.
Desta forma, as três espécies se transformaram nos Seres Dominantes do mundo, as magníficas raças dos Homens, dos Dragões e dos Gárgulas. Todos elas soberbas, de forma que era impossível não perceber a inteligência criadora do Pai Supremo quando se olhava para elas. E tão grande é o amor Dele por elas, que estas criaturas desde o começo estão destinadas a algo grandioso, pois são os eleitos, são os Seus filhos terrenos, e possuem um destino final reservado ao Seu lado. Graças aos dons recebidos, as raças evoluíram mental e fisicamente até a forma que hoje conhecemos, ganhando assim, a habilidade de mudar o mundo conforme seus desejos.
Quando atingiram certo estágio de evolução, se juntaram em pequenos clãs, depois em aldeias e vilarejos, pequenas cidades, sucessivamente até o surgimento das três primeiras civilizações, uma de cada raça, cada qual de forma diferente, mas igualmente belas.
A relativa inocência que imperava quando as civilizações surgiram era algo que resultava em grandes avanços, uma vez que a prioridade era o bem comum a todos. Tal era esta integração, que nos dias de hoje ela nos parece apenas uma fantasia surreal.
Até então que primeiro entre os Caídos, que havia muito observava a tudo do Plano de Exílio, percebeu que o Criador dedicava amor e atenção aos seres dominantes, e os invejou. Sua vigilância revelou que os espíritos dos mortais seguiam para o Plano Divino ao fim da vida terrena, e descobriu qual era o destino final deles.
Ele viu que os simples mortais teriam aquilo que ele em toda a eternidade jamais teria, ficar junto ao Criador, passando a eternidade agraciados com sua luz e em eterna evolução. Sua inveja então se transformou em um ódio tão profundo, que para os mortais é inconcebível.
O Rebelado, já que nada podia criar, decidiu destruir e corromper tudo o que o Criador amava principalmente os seres dominantes. No entanto ele não poderia simplesmente matá-los, pois estaria mandando seus espíritos de volta ao Criador. Teria que usar toda sua astúcia e persuasão para fazer com que todos renegassem ao Criador, tal qual ele uma vez fizera.
Convocando todos o demônios do Exílio, e se voltando para os céus, ele proferiu seu desafio.
— Escutai agora, ó Pai que a mim não perdoa. Se a eternidade condenado estou a este pútrido precipício, saiba que a eternidade passarei conspirando contra Ti e tuas obras. Destruirei e deturparei tudo quanto puder e me alegrarei em Lhe infligir infelicidade. Mas de tudo o quanto fizer nada tornará maior meu prazer do que ver estas insignificantes criaturas mortais que Tu chama de filhos, serem por mim iludidas e ludibriadas, Lhe virarem as costas e me proclamarem como mestre. Sei que chorarás por cada alma que eu conseguir arrebanhar e não descansarei até que chegue o dia que o Plano Físico seja a própria extensão de minha morada — assim jurou.
O Rebelado ordenou seus súditos que tal como ele, buscassem sempre a perdição das raças. E estes, cumpririam com demasiado prazer tais ordens. Sem saber, os mortais que mal haviam florescido, já possuíam um inimigo que buscaria sua desgraça enquanto caminhassem sobre o mundo. Tempos dificílimos e com pouca esperança estavam muito próximos.
Sandro Luiz Silva – Contos do Princípio Parte I
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